PRAÇAS

A PAISAGEM URBANA COMO HERANÇA CULTURA : A PRAÇA SANTOS DUMONT

HULSMEYER et al., 2011
A paisagem urbana como herança cultural: a praça Santos Dumont, Umuarama, Estado do Paraná, Brasil Alexander Fabbri Hulsmeyer1*, Regina de Held Silva2 , Caroline Salgueiro da Purificação2 , Maria Izabel de Melo Barreto2 e Rodrigo Rodrigues2 1 Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Paranaense de Umuarama, Praça Mascarenhas de Moraes, 4282, 87502-210, Umuarama, Paraná, Brasil. 2 Universidade Paranaense de Umuarama, Umuarama, Paraná, Brasil. *Autor para correspondência. E-mail: alexarq@unipar.br 


No viés do resgate do papel histórico morfológico da praça como lugar de convergência sociocultural, esse artigo indica a necessidade de novas políticas públicas participativas que garantam diversas formas de apropriação pública e resgate dos valores simbólicos, por meio de práticas de intervenção que respeitem as premissas projetuais originais e as desenvolvidas por seu autor, o Arquiteto Ícaro de Castro Mello, em 1970
IBGE _ Biblioteca _ Detalhes _ Praça Santos Dumont _ Umuarama, PR


















A Praça Santos Dumont, é a maior praça rotatória da cidade. Denominada pela população “Praça dos Bancos”, tendo sido palco de acontecimentos da cultura, da política e do civismo. 
A centralidade da Praça Santos Dumont é identificada pelo seu papel articulador das vias mais importantes, em forma de asterisco, ligando vários bairros ao centro da cidade, configurando-se como o principal nó viário do traçado. 

A Praça Santos Dumont era apenas uma rotatória com remanescentes da mata nativa sobrevivente ao avanço da ocupação urbana, projetada em outubro de 1970 e inaugurada em 31 de janeiro de 1972. 





 A herança do planejamento inglês 

Segundo Robba e Macedo (2002, p. 18) “[...] não é possível falar sobre praças sem analisar o contexto urbano no qual está inserida”. Neste contexto, a análise inicia-se pelas origens do planejamento da cidade, pois nele foram definidas as principais condicionantes para a conformação das características da Praça Santos Dumont.

A importância dos estudos sobre a evolução das estruturas morfológicas, para a compreensão de determinado contexto urbano, consiste em saber que, por mais que haja alterações nessas estruturas, o ambiente edificado é sucessivamente construído e reconstruído sobre o mesmo traçado urbano.

O plano de organização espacial adotado inicialmente pela CTNP possui duas escalas de análise: a primeira de ocupação regional, em que a matriz é a comunicação rodoferroviário e a segunda de estruturação do espaço urbano.

O chamado Plano de Ocupação Regional (POR) foi idealizado para atender à exploração mercantil por meio da exportação cafeeira que previa a implantação de cidades planejadas para exercerem a função de pólos regionais de comércio e serviços, dispostas a cada 100 km (CMNP, 1975).

Nele podem ser observadas referências à cidade-jardim, com alusões diretas aos conceitos de rede de cidades polinucleadas de Howard (1996) para a ocupação do “Eldorado de Terras Férteis”, território de modernidade prosperidade do “Ouro Verde”, tratado ideológico vigente entre os anos 1920 e 1960, durante a ocupação das três regiões Norte do Paraná: Velho, Novo e Novíssimo. No entanto, o plano atendia aos interesses capitalistas para exploração mercantil, tendo a cidade como mercadoria, o que contraria intrinsecamente os conceitos socioespaciais cooperativistas idealizados por Howard (1996).

 Com relação à estruturação do espaço urbano para as quatro principais cidades contidas no Plano de Ocupação Regional (POR) é possível a identificação de três fases: a primeira tem o engenheiro geodésico russo, Alexandre Rasgulaeff, como responsável pelos desenhos, e atribuí-se a ele o planejamento da cidade de Londrina (1930-1934). E segundo os depoimentos do próprio engenheiro, nesse período os projetos eram enviados à Inglaterra para aprovação (YAMAKI, 2003).

Na segunda fase, já sob o controle da CMNP, os traçados passam a apresentar inspirações nas soluções formais de projetos das cidades-jardins e bairros-jardins, presentes nos projetos contratados por Jorge Macedo Vieira (1894-1978), para as cidades de Maringá (1947-1951) e Cianorte (1953- 1955). A terceira e última fase, a mais eclética, é resultante da somatória das duas anteriores, tendo como responsáveis pela supervisão dos planos o Sr. Hermann Moraes de Barros e o engenheiro geodésico Wladimir Babkov (CMNP, 1975).

Esta fase coincide o projeto de Umuarama (1955-1960), que se diferencia morfologicamente das demais cidades projetadas pela CMNP, sem apresentar a mesma clareza compositiva dos traçados anteriores desenvolvidos pelas companhias ou contratados. Para Rego et al. (2004), o traçado de Umuarama é “geométrico, múltiplo e fragmentado pela topografia, recorrendo a diversos motivos formais, sem ordem ou articulação entre si”. O que acaba por interferir na hierarquia dos seus elementos urbanos.

As paisagens cênicas das cidades-polo planejadas 

As propostas formais das praças contavam com passeio perimetral, canteiros com rigor geométrico, grande quantidade de área permeável, vegetação arbustiva e forrações, dispostas com bordadura em topiaria. A tríade clássica básica pode ser verificada nos primeiros desenhos das praças que compõem o eixo monumental da cidade de Londrina.

Diante da importância das praças ajardinadas na composição das paisagens cênicas previstas pelas companhias colonizadoras, o papel das praças como principal elemento morfológico configurador dos centros cívico, político, cultural, comercial e religioso era atender simbolicamente aos ideais de modernização ou status de cidade planejada do “Eldorado Cafeeiro” divulgados, nesse período, na esfera nacional e internacional. Portanto, na hierarquia entre espaços públicos e privados do traçado da cidade de Umuarama, as praças possuem incontestável papel, e na composição de Babkov, assumem a configuração de praças rotatórias.

Com relação às funções de lazer público, lugar de encontro, trocas culturais e simbolizações, as praças podem ser analisadas em duas realidades distintas: a primeira de intensa apropriação das praças até o término do ciclo cafeeiro, em que a CMNP possuía controle sobre as relações socioeconômicas e políticoadministrativas e, a segunda pós-erradicação cafeeira.

As praças rotatórias

Do ponto de vista funcional e morfológico, a forma circular das praças rotatórias pode dificultar o acesso dos pedestres, pois quanto maior a fluidez de veículos ao redor das praças, menor será a possibilidade de acesso. Entretanto, a segurança do pedestre está relacionada a outros fatores, independentemente da forma, por exemplo, à diminuição da velocidade dos veículos, não existência de obstáculos visuais, sinalização adequada etc. Faz-se necessária também a consideração de características como a sua localização, pois praças rotatórias dispostas nas áreas centrais, por apresentarem maior fluxo de automóveis possuem sua acessibilidade mais afetada do que praças rotatórias de bairros.











A praça Santos Dumont 

Em Umuarama, das 26 praças contidas no traçado original, apenas oito possuem formatos quadrangulares ou triangulares, tendo as demais formas circulares ou elípticas, caracterizando-se como praças rotatórias. A Praça Santos Dumont, juntamente com a Praça da Bíblia e Praça Paulo VI, configuram a tríade formadora do principal Patte D’Oie, ou “pé-de-galinha” estruturadas do traçado original.

Após os primeiros anos da sua implantação, no entanto, até meados da década 1960, a Praça Santos  Dumont era apenas uma rotatória com remanescentes da mata nativa sobrevivente ao avanço da ocupação urbana (Figura 2).
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Figura 2. Praça Santos Dumont, 1963. (Acervo dos autores).

Além deste, ela também configura com as Praças Arthur Thomas e Miguel Rossafa, um importante eixo viário da Avenida Paraná, onde estão os principais centros cívicoadministrativo, religioso e comercial. Em comum, essas praças são elementos morfológicos irradiadores do traçado, e atendem a função de rotatórias do sistema viário. O acesso a estas praças, no entanto, apresenta restrições, principalmente após a década de 80 do século XX, com a ampliação da frota de veículos. O Patte D’Oie é um recurso de projeto amplamente utilizado nos traçados das companhias, embora dele nem sempre resulte a mesma conformação, pois segundo Yamaki (1991), ele apresenta configurações nos traçados que envolvem questões simbólicas e funcionais do espaço relacionadas aos usos e à história de consolidação das paisagens urbanas. Portanto, somente a forma não garante que os aspectos simbólicos dos espaços livres públicos, reforcem a presença dos espaços edificados significativos na configuração de paisagens pregnantes. Justamente por ter seu traçado fragmentado pela topografia, sem a organicidade e nem a hierarquia dos elementos urbanos comuns às outras cidades da CMNP, na cidade de Umuarama, estes elementos formais, não são claramente percebidos e perdem parte do seu simbolismo. Apesar desta fragmentação, a centralidade da Praça Santos Dumont é claramente identificada pelo seu papel articulador das vias mais importantes, em forma de asterisco, ligando vários bairros ao centro da cidade, configurando-se como o principal nó viário do traçado. Desta relação com seu entorno, pode-se concluir que o parcelamento dos lotes no entorno da Praça Santos Dumont foi planejado intencionalmente pela CMNP para receber o setor bancário e o comércio regional, reforçando seu papel referencial de modernidade e cenário contemplativo, afinal, o município é um pólo regional, e como tal deveria ter um cenário que atraísse consumidores das cidades circunvizinhas do Noroeste.

Alguns anos depois, já no final desta década, a mata remanescente foi derrubada para dar lugar à segunda Estação Rodoviária da Cidade, tendo sido a primeira na Praça Arthur Thomas. Apesar de Sitte (1992, p. 47) advertir que sob o ponto de vista artístico “um terreno vazio não é uma praça, mesmo que seja livre e público”, a sua centralidade já era visível.

Em um período em que a cidade ainda se consolidava em um centro regional, com muitas obras sendo realizadas, e influenciadas pelo ufanismo pósconstrução de Brasília, a implantação de uma praça que pudesse representar o ideal de modernidade e cenário inerentes a sua centralidade, passou a falar mais alto.

Última das três praças que configuram o eixo principal da Avenida Paraná a ser efetivamente projetada, nas palavras de Casciole (2009, p. 12): A área ainda “abandonada” na outra extremidade da Avenida Paraná causava uma péssima impressão ao centro: era toda de terra, tinha algumas perobas altas que lembravam a antiga mata que existia e duas pequenas construções de alvenaria que funcionavam como rodoviária, ocupadas pelos guichês das empresas de ônibus e alguns botecos.

No terreno ainda havia dois pontos de táxi (os antigos jipes). Sabia-se que ali um dia seria construída uma praça e que a rodoviária seria transferida para o começo da Avenida Paraná. Foi quando o então prefeito João Cioni Neto teve a intenção de oferecer à cidade uma grande obra na comemoração dos seus 15 anos: a proposta de construção da Praça Santos Dumont foi aprovada pelo conselho comunitário constituído por membros da sociedade organizada, que indicou para idealizá-la o arquiteto Ícaro de Castro Mello (CASCIOLE, 2009).

Projetada em outubro de 1970 e inaugurada em 31 de janeiro de 1972, a Praça Santos Dumont passou a representar um ideal de modernidade defendido pelos conceitos da CMNP: é a maior praça da cidade e pode ser considerada patrimônio histórico, estando intrinsecamente relacionada à história da cidade, palco de acontecimentos da cultura, da política e do civismo, fatos que marcaram a memória da população ao longo das últimas décadas.

Citado entusiasticamente em matéria de jornal da época como símbolo da “riqueza, do desenvolvimento impetuoso e a pujança da jovem Umuarama” (SOBRINHO, 1972), o obelisco geométrico no centro da praça, constituído de quatro pilastras de alturas variáveis, revestidas de chapas de alumínio nas superfícies côncavas e concreto aparente, e que emergia de dentro de um espelho d’água retangular com 288,0 m², tentava reforçar este simbolismo de modernidade.

Eventos cívicos na Praça eram comuns, como o hasteamento da Bandeira Nacional e apresentação de jovens ao serviço militar, além de festividades em que a população comparecia em grande número. Determinados simbolismos devem ser sempre reforçados: Halprin (1963) salienta que as maiores praças no mundo se tornaram símbolos cívicos não somente em razão de sua beleza de design, mas por causa da variedade e importância dos eventos cívicos que nelas acontecem.

O Projeto Nascido em 1913, em São Vicente, Estado de São Paulo, Ícaro de Castro Mello foi um arquiteto de grande prestígio no cenário cultural da época e importante personagem na história da arquitetura moderna do Brasil. Desde muito cedo, comprometeuse com a concepção de prédios esportivos e de lazer e, até sua morte, ocorrida em 1986, nunca interrompeu as incursões neste território, sendo seguramente o arquiteto brasileiro que criou o maior número de edifícios desta natureza (SILVA, 2005).

Apesar das grandes dimensões (aproximadamente 12.000 m²) e da sua repercussão local, não foram encontradas referências ao projeto da Praça Santos Dumont no material biográfico do arquiteto. A organização do espaço urbano pode ser identificada pela relação entre sólidos e vazios, pelas interligações entre as partes que fisicamente conectam as partes da cidade, e pelos componentes das necessidades humanas e culturais, históricas e seus contextos naturais. A incorporação de formas únicas e detalhes interessantes ao local, enriquecem o espaço fisicamente. Esta resposta ao contexto compatibiliza novo design com as condições pré-existentes (TRANCIK, 1986).

Diferentemente das demais praças da cidade, o projeto da Praça Santos Dumont destaca-se pela sua proposta formal e estética: o projeto apresenta características, descritas por Robba e Macedo (2002), como tipicamente modernistas: a utilização das formas geométricas, tanto para pisos, caminhos, canteiros e espelhos d’água; grandes áreas de pisos; criação de estares e recantos como elementos centrais de projeto; circulação estruturada por sequência de estares; valorização de ícones e signos da cultura nacional e regional (nome Santos Dumont, por exemplo); vegetação utilizada como elemento tridimensional de configuração dos espaços; e plantio em maciços arbóreos e arbustivos (Figura 3). Entretanto, não apresenta em seu programa o lazer ativo, que é substituído pelo lazer cultural, pela presença da Biblioteca Rocha Pombo.

Segundo Robba e Macedo (2002), a pluralidade repetitiva de formas geometrizadas e angulosas, criando estares, recantos e patamares, são influências formais típicas do trabalho do paisagista californiano Lawrence Halprin, que incidiram sobre muitos projetos brasileiros. Esta influência pode ser comprovada no projeto de 1976, para a Praça da Sé, em São Paulo. De maneira similar, a Praça Santos Dumont possui um traçado modernista característico das praças paulistanas de grande porte dos anos 1970, com inúmeros recantos contemplativos, espelho d’água, no qual foi instalado o grande obelisco, além da repetição de formas geométricas ortogonais para criar os recantos e estares, desestruturando as circulações óbvias.


















No projeto original da Praça Santos Dumont não foi localizadas as Pranchas de Plantio, com indicação das espécies vegetais. Portanto, não se pode assegurar que a configuração ou as espécies das plantas existentes correspondam ao projeto original.(Figura 04)















Durante duas décadas a Praça Santos Dumont foi um dos pontos de encontro comunal mais movimentados, especialmente nos fins de semana, onde a presença dos dois cinemas, o Guarani e o Umuarama (CASCIOLE, 2009), reforçava suas funções, tanto de passagem como de permanência, atraindo os usuários. Mas, nos anos 1990, depois de tantas crises econômicas, a praça entrou em declínio, e algumas das suas fraquezas começaram a despontar.

 Primeiro, a grande dificuldade de acesso por se tratar de uma rotatória central em área de grande fluxo de veículos, apresentando problemas de acesso físico. Depois, com grande desnível de quase 10,0 m, a caminhada por seus passeios perimetrais é bastante cansativa, sendo pouco atrativa, apesar dos seus 6,0 m de largura. Apenas a caminhada feita pelo eixo da Av. Brasil é em nível.

E, além disso, em alguns pontos, como nos acessos a partir da Av. Paraná, o grande número de muros de arrimos que configuram os patamares, juntamente com a vegetação inadequada, criam barreiras visuais (Figura 5). Somam-se, ainda, a falta de manutenção e a perda do seu referencial por meio dos eventos cívicos que praticamente inexistem.

Desta forma, a compreensão do seu significado foi gradativamente reduzida como símbolo de modernidade, pois o significado não reside no objeto em si, e sim na relação entre objeto-observador.

Conclusão 

A análise morfológica do tecido que envolve a Praça Santos Dumont permite atestar que a praça ainda possui importante papel de marco referencial, mas com perda do seu simbolismo. Problemas com a topografia e a intensidade do fluxo de veículos impõem importante restrição ao acesso. Somam-se a isso as características particulares do programa que não possui atrativos que convidem à permanência. As últimas décadas foram marcadas por mudanças comportamentais da sociedade, em que as formas de apropriação dos espaços livres urbanos. Neste contexto, não seria possível resgatar a os mesmos usos da praça e, tampouco, esperar as mesmas simbolizações passadas. Mas algumas ações poderiam resguardar parte da sua história: tombamento da praça como patrimônio históricocultural municipal; formulação de um Plano Viário

Agradecimentos Ao apoio financeiro da Unipar por meio do PIC – Programa de Iniciação Científica.