QUEIMADAS DE CANA PODEM OFERECER RISCOS À SAÚDE COM POSSIBILIDADES DE MUTAÇÃO DE CÉLULAS HUMANAS.
A queima da palha da cana-de-açúcar, largamente realizada na agroindústria canavieira por facilitar o corte da cana e aumentar a produtividade, lança no ar substâncias tóxicas, prejudiciais ao meio ambiente e ao homem.
Dentre essas substâncias estão os compostos que fazem parte da classe dos Hidrocarbonetos Policíclicos Aromáticos (HPAs).
Esses compostos químicos liberados durante a combustão da cana oferecem riscos à saúde das populações expostas, pois muitos deles possuem propriedades mutagênica e carcinogênica comprovadas, ou seja, provocam mutações genéticas que podem levar ao aparecimento do câncer.
Em estudos realizados para sua tese de doutorado, defendida, em novembro de 2004, no Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (Ibilce) da Unesp, campus de São José do Rio Preto, Rosa Maria do Vale Bosso constatou altos níveis dessas substâncias na urina de cortadores de cana no período de colheita. O trabalho foi elaborado sob a orientação de Cláudia Márcia Carareto e coordenação de Nívea Tedeschi Frães junto ao Programa de Pós-Graduação em Genética do Ibilce.
Por meio da análise da urina de trabalhadores rurais, a pesquisadora procurou medir a quantidade dos HPAs excretada e a sua mutagenicidade, ou seja, a capacidade desses compostos se ligarem ao DNA de bactérias provocando alteraçõeses em seu funcionamento. Entre 2002 e 2003, Rosa Maria investigou 41 trabalhadores rurais da região de Catanduva, e 21 trabalhadores da zona urbana; todos os indivíduos analisados na pesquisa eram não-fumantes, uma vez que a fumaça do cigarro também apresenta HPAs em sua composição.
Os voluntários foram amostrados na safra (quando os trabalhadores cortam cana queimada) e na entressafra (época de plantio), períodos de exposição e não-exposição aos hidrocarbonetos. Os trabalhadores urbanos foram utilizados como grupo controle.
A pesquisadora verificou que, no período da safra, o nível de HPAs na urina dos cortadores de cana foi noves vezes maior que na entressafra. Já o nível médio quantificado no grupo controle foi semelhante ao da entressafra, constata.
Rosa Maria chama atenção para o grau de exposição dos trabalhadores canavieiros aos Hidrocarbonetos Policíclicos Aromáticos: Os níveis médios dessas substâncias na urina dos cortadores de cana amostrados na safra foram bem maiores que os níveis verificados na urina de carvoeiros do Estado da Bahia expostos a fumaþa da madeira.
Tais níveis foram também maiores que aqueles verificados em indivíduos expostos a poluição urbana da cidade de Copenhague (Dinamarca) que trabalhavam como motoristas de ônibus e como carteiros, ambos não-fumantes. Concluímos que os cortadores de cana-de-açúcar estão significativamente mais expostos aos HPAs durante o período da safra que na entressafra.
As amostras de urina também foram submetidas a teste de mutagenicidade, realizado com bactérias do tipo Salmonella typhimurium. Os testes avaliaram as alterações que os HPAs podem provocar no material genético: Mesmo sendo realizado com bactérias, organismos muito simples comparados ao homem, o teste simula bem o que pode ocorrer no organismo humano, explica Rosa Maria.
Segundo a pesquisadora, uma vez que os compostos são mutagênicos para uma bactèria específica, isso é, podem provocar alterações no DNA do organismo que estão sendo utilizado no ensaio, esses compostos também poderão modificar o DNA de uma célula humana.
Nesses testes, a urina dos cortadores de cana mostrou-se altamente tóxica: Várias amostras, com doses extremamente baixas, mataram os microorganismos, sendo possível detectar o efeito mutagênico das substâncias em apenas três amostras. A pesquisadora salienta que essa alta toxidade pode sugerir efeitos prejudiciais ao ser humano: Esse dado indica a necessidade de análises complementares em células dos próprios trabalhadores, ressalta Rosa Maria.
Os níveis de HPAs encontrados em cada organismo, assim como as consequências da exposição a essas substâncias, dependem da herança genética de cada indivéduo, explica a pesquisadora. Rosa Maria ainda destaca que o desenvolvimento do câncer é um processo extremamente complexo que depende de vários fatores, como a predisposição genética, suscetibilidade, tipo de alimentação, estresse, dentre outros.
No entanto, teremos que levar em consideração os níveis mais altos de HPAs eliminados pelos cortadores de cana na safra em relação a entressafra e controles, demonstrados no estudo, pois uma exposição adicional a esses compostos químicos representa um risco maior para o desenvolvimento de doença degenerativas, como enfermidades cardiorespiratórias, e o desenvolvimento de câncer.
Segundo a pesquisadora, os resultados obtidos poderão auxiliar na minimização da exposição ocupacional aos hidrocarbonetos, apontando para a necessidade do uso de equipamentos de proteção individual (roupas que minimizem a absoção dos compostos, máscaras, luvas), e de acompanhamento médico com a realização de todos os exames rotineiros, como é direito de toda classe trabalhadora e, nesse caso, monitoramento clínico mais intenso.
Rosa Maria defende a extinção da queimada nos canaviais em áreas onde o acesso de maquinaria é possível: Medidas como essas podem significar uma importante reduçõ nos gastos com saúde pública, uma vez que pesquisas realizadas em hospitais de municípios de regiõeses canavieiras têm mostrado aumento de internações e queixas de doenças respiratórias no período das queimas de canaviais, além de um grande percentual de óbitos por doençaas dos sistemas circulatório e cardiorespiratório, e por desenvolvimento de tumores, conclui.
Fonte: UNESP
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