sábado, 29 de julho de 2017

SEM PROTEÇÃO

Parecer aprovado por Temer é retrocesso na demarcação de terras indígenas, diz MPF


parecer da Advocacia-Geral da União, aprovado pelo presidente Michel Temer, dizendo que a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a Raposa Serra do Sol vale para toda a administração, é retrocesso na demarcação de terras indígenas. A opinião é do Ministério Público Federal. Segundo o órgão, o entendimento do STF no julgamento daquele caso não tem efeito vinculante. Por isso, as condições firmadas pelos ministros da corte não servem para outros processos demarcatórios.

Presidente Michel Temer aprova parecer da AGU e transforma decisão do Supremo sobre Raposa Serra do Sol em regra de cumprimento obrigatório pela administração pública.
FAB/CCOM

As considerações do MPF estão em nota divulgada nesta quinta-feira (20/7), dia em que foi publicado no Diário Oficial da União o parecer da Advocacia-Geral da União que manda a União seguir a decisão do STF.
Segundo o acórdão da corte, só são terras indígenas as ocupadas por índios na data da promulgação da Constituição de 1988. Prevê ainda a proibição de expandir as áreas demarcadas e a determinação de que os direitos dos povos indígenas não se sobrepõem a questões de segurança nacional.
“O parecer, que pretende ter força vinculante, põe no papel o que o atual governo faz e os que antecederam já faziam: não demarcar, não reconhecer e não proteger”, diz o MPF. Os procuradores defendem que o marco temporal não é a Constituição de 1988, mas a “continuidade da história constitucional da afirmação dos direitos territoriais indígenas, que se inicia em 1934”.
O novo parecer da AGU sobre a Raposa Serra do Sol se sobrepõe a uma portaria do órgão, de 2012, que mandava os órgãos de assessoria jurídica da União obedecerem às diretrizes do Supremo. É que em outubro de 2013 a corte decidiu, em embargos de declaração, que, embora a decisão sobre a Raposa Serra do Sol tenha sido um precedente importante, não tem caráter vinculante. Portanto, só se aplica àquele caso específico, e não a todos os casos sobre o mesmo tempo, conforme o voto do ministro Luís Roberto Barroso, seguido à unanimidade na ocasião.
Embora o Plenário do STF tenha decidido que a decisão só tenha aplicação naquele caso, a 2ª Turma da corte já aplicou as condições em pelo menos dois mandados de segurança.
Em nota enviada à ConJur na tarde desta sexta-feira (21/7), a AGU rebateu o MPF. Para o órgão, o parecer vai promover segurança jurídica porque reconhece e determina a aplicação do que já foi decidido pelo Judiciário. “O parecer, portanto, não desconhece o histórico de ocupação indígena do país. Este simplesmente acatou posicionamento do STF e acolheu os entendimentos firmados, recomendando aos demais órgãos da administração pública que obedeçam ao que foi estabelecido pela Suprema Corte”, diz a AGU.
* Texto atualizado às 16h40 do dia 21/7/2017 para acréscimo de informações.

Estas são as razões pelas quais se conclui que a Administração Pública Federal deve observar, respeitar e dar efetivo cumprimento à decisão do Supremo Tribunal Federal que, no julgamento da PET n. 3.388/RR, fixou as "salvaguardas institucionais às terras indígenas", determinando a sua aplicação a todos os processos de demarcação de terras indígenas, em consonância com o que também esclarecido e definido pelo Tribunal no acórdão proferido no julgamento dos Embargos de Declaração (PET-ED n. 3.388/RR) e em outras de suas decisões posteriores, todas analisadas neste parecer (ex.: RMS n. 29.087/DF; ARE n. 803.462/MS; RMS n. 29.542/DF). 

Portanto, nos processos de demarcação de terras indígenas, os órgãos da Administração Pública Federal, direta e indireta, deverão observar as seguintes condições: 

(I) o usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas (art. 231, § 2º, da Constituição Federal) pode ser relativizado sempre que houver, como dispõe o art. 231, § 6º, da Constituição, relevante interesse público da União, na forma de lei complementar; 

(II) o usufruto dos índios não abrange o aproveitamento de recursos hídricos e potenciais energéticos, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional;

(III) o usufruto dos índios não abrange a pesquisa e lavra das riquezas minerais, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional, assegurando-se-lhes a participação nos resultados da lavra, na forma da lei; 

(IV) o usufruto dos índios não abrange a garimpagem nem a faiscação, devendo, se for o caso, ser obtida a permissão de lavra garimpeira; 

(V) o usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da política de defesa nacional; a instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico, a critério dos órgãos competentes (Ministério da Defesa e Conselho de Defesa Nacional), serão implementados independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à FUNAI;

 (VI) a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal na área indígena, no âmbito de suas atribuições, fica assegurada e se dará independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à FUNAI;

 (VII) o usufruto dos índios não impede a instalação, pela União Federal, de equipamentos públicos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além das construções necessárias à prestação de serviços públicos pela União, especialmente os de saúde e educação;

 (VIII) o usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação fica sob a responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade; 

(IX) o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade responderá pela administração da área da unidade de conservação também afetada pela terra indígena com a participação das comunidades indígenas, que deverão ser ouvidas, levando-se em conta os usos, tradições e costumes dos indígenas, podendo para tanto contar com a consultoria da FUNAI; 

(X) o trânsito de visitantes e pesquisadores não- índios deve ser admitido na área afetada à unidade de conservação nos horários e condições estipulados pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade; 

(XI) devem ser admitidos o ingresso, o trânsito e a permanência de não-índios no restante da área da terra indígena, observadas as condições estabelecidas pela FUNAI;

 (XII) o ingresso, o trânsito e a permanência de não- índios não pode ser objeto de cobrança de quaisquer tarifas ou quantias de qualquer natureza por parte das comunidades indígenas; (XIII) a cobrança de tarifas ou quantias de qualquer natureza também não poderá incidir ou ser exigida em troca da utilização das estradas, equipamentos públicos, linhas de transmissão de energia ou de quaisquer outros equipamentos e instalações colocadas a serviço do público, tenham sido excluídos expressamente da homologação, ou não;

 (XIV) as terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico que restrinja o pleno exercício do usufruto e da posse direta pela comunidade indígena ou pelos índios (art. 231, § 2º, Constituição Federal, c/c art. 18, caput, Lei nº 6.001/1973); 

(XV) é vedada, nas terras indígenas, a qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades indígenas, a prática de caça, pesca ou coleta de frutos, assim como de atividade agropecuária ou extrativa (art. 231, § 2º, Constituição Federal, c/c art. 18, § 1º, Lei nº 6.001/1973); 

(XVI) as terras sob ocupação e posse dos grupos e das comunidades indígenas, o usufruto exclusivo das riquezas naturais e das utilidades existentes nas terras ocupadas, observado o disposto nos arts. 49, XVI, e 231, § 3º, da CR/88, bem como a renda indígena (art. 43 da Lei nº 6.001/1973), gozam de plena imunidade tributária, não cabendo a cobrança de quaisquer impostos, taxas ou contribuições sobre uns ou outros; (XVII) é vedada a ampliação da terra indígena já demarcada; 

(XVIII) os direitos dos índios relacionados às suas terras são imprescritíveis e estas são inalienáveis e indisponíveis (art. 231, § 4º, CR/88); e

 (XIX) é assegurada a participação dos entes federados no procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas, encravadas em seus territórios, observada a fase em que se encontrar o procedimento. 

Em caso de acolhimento das presentes conclusões, este parecer poderá ser submetido à aprovação do Exmo. Sr. Presidente da República, e uma vez publicado juntamente com o despacho presidencial, deverá vincular a Administração Pública Federal, cujos órgãos e entidades ficarão obrigados a lhe dar fiel cumprimento (artigos 40 e 41 da Lei Complementar n. 73/1993), a partir da data da sua publicação. 
À consideração superior. Brasília, 19 de julho de 2017. 
ANDRÉ RUFINO DO VALE Consultor-Geral da União substituto