SEM PROTEÇÃO
Parecer aprovado por Temer é retrocesso na demarcação de terras indígenas, diz MPF
O parecer da Advocacia-Geral da União, aprovado pelo presidente Michel Temer, dizendo que a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a Raposa Serra do Sol vale para toda a administração, é retrocesso na demarcação de terras indígenas. A opinião é do Ministério Público Federal. Segundo o órgão, o entendimento do STF no julgamento daquele caso não tem efeito vinculante. Por isso, as condições firmadas pelos ministros da corte não servem para outros processos demarcatórios.
As considerações do MPF estão em nota divulgada nesta quinta-feira (20/7), dia em que foi publicado no Diário Oficial da União o parecer da Advocacia-Geral da União que manda a União seguir a decisão do STF.
Segundo o acórdão da corte, só são terras indígenas as ocupadas por índios na data da promulgação da Constituição de 1988. Prevê ainda a proibição de expandir as áreas demarcadas e a determinação de que os direitos dos povos indígenas não se sobrepõem a questões de segurança nacional.
“O parecer, que pretende ter força vinculante, põe no papel o que o atual governo faz e os que antecederam já faziam: não demarcar, não reconhecer e não proteger”, diz o MPF. Os procuradores defendem que o marco temporal não é a Constituição de 1988, mas a “continuidade da história constitucional da afirmação dos direitos territoriais indígenas, que se inicia em 1934”.
O novo parecer da AGU sobre a Raposa Serra do Sol se sobrepõe a uma portaria do órgão, de 2012, que mandava os órgãos de assessoria jurídica da União obedecerem às diretrizes do Supremo. É que em outubro de 2013 a corte decidiu, em embargos de declaração, que, embora a decisão sobre a Raposa Serra do Sol tenha sido um precedente importante, não tem caráter vinculante. Portanto, só se aplica àquele caso específico, e não a todos os casos sobre o mesmo tempo, conforme o voto do ministro Luís Roberto Barroso, seguido à unanimidade na ocasião.
Embora o Plenário do STF tenha decidido que a decisão só tenha aplicação naquele caso, a 2ª Turma da corte já aplicou as condições em pelo menos dois mandados de segurança.
Em nota enviada à ConJur na tarde desta sexta-feira (21/7), a AGU rebateu o MPF. Para o órgão, o parecer vai promover segurança jurídica porque reconhece e determina a aplicação do que já foi decidido pelo Judiciário. “O parecer, portanto, não desconhece o histórico de ocupação indígena do país. Este simplesmente acatou posicionamento do STF e acolheu os entendimentos firmados, recomendando aos demais órgãos da administração pública que obedeçam ao que foi estabelecido pela Suprema Corte”, diz a AGU.
* Texto atualizado às 16h40 do dia 21/7/2017 para acréscimo de informações.
Estas são as razões pelas quais se conclui que a Administração
Pública Federal deve observar, respeitar e dar efetivo cumprimento
à decisão do Supremo Tribunal Federal que, no julgamento
da PET n. 3.388/RR, fixou as "salvaguardas institucionais às terras
indígenas", determinando a sua aplicação a todos os processos de
demarcação de terras indígenas, em consonância com o que também
esclarecido e definido pelo Tribunal no acórdão proferido no julgamento
dos Embargos de Declaração (PET-ED n. 3.388/RR) e em
outras de suas decisões posteriores, todas analisadas neste parecer
(ex.: RMS n. 29.087/DF; ARE n. 803.462/MS; RMS n. 29.542/DF).
Portanto, nos processos de demarcação de terras indígenas,
os órgãos da Administração Pública Federal, direta e indireta, deverão
observar as seguintes condições:
(I) o usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos
lagos existentes nas terras indígenas (art. 231, § 2º, da Constituição
Federal) pode ser relativizado sempre que houver,
como dispõe o art. 231, § 6º, da Constituição, relevante
interesse público da União, na forma de lei complementar;
(II) o usufruto dos índios não abrange o aproveitamento
de recursos hídricos e potenciais energéticos, que
dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional;
(III) o usufruto dos índios não abrange a pesquisa e
lavra das riquezas minerais, que dependerá sempre de autorização
do Congresso Nacional, assegurando-se-lhes a participação
nos resultados da lavra, na forma da lei;
(IV) o usufruto dos índios não abrange a garimpagem
nem a faiscação, devendo, se for o caso, ser obtida a
permissão de lavra garimpeira;
(V) o usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse
da política de defesa nacional; a instalação de bases,
unidades e postos militares e demais intervenções militares, a
expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas
energéticas de cunho estratégico e o resguardo das
riquezas de cunho estratégico, a critério dos órgãos competentes
(Ministério da Defesa e Conselho de Defesa Nacional),
serão implementados independentemente de consulta
às comunidades indígenas envolvidas ou à FUNAI;
(VI) a atuação das Forças Armadas e da Polícia
Federal na área indígena, no âmbito de suas atribuições, fica
assegurada e se dará independentemente de consulta às comunidades
indígenas envolvidas ou à FUNAI;
(VII) o usufruto dos índios não impede a instalação,
pela União Federal, de equipamentos públicos, redes de comunicação,
estradas e vias de transporte, além das construções
necessárias à prestação de serviços públicos pela
União, especialmente os de saúde e educação;
(VIII) o usufruto dos índios na área afetada por
unidades de conservação fica sob a responsabilidade do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade;
(IX) o Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade responderá pela administração da área da unidade
de conservação também afetada pela terra indígena com
a participação das comunidades indígenas, que deverão ser
ouvidas, levando-se em conta os usos, tradições e costumes
dos indígenas, podendo para tanto contar com a consultoria
da FUNAI;
(X) o trânsito de visitantes e pesquisadores não-
índios deve ser admitido na área afetada à unidade de conservação
nos horários e condições estipulados pelo Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade;
(XI) devem ser admitidos o ingresso, o trânsito e a
permanência de não-índios no restante da área da terra indígena,
observadas as condições estabelecidas pela FUNAI;
(XII) o ingresso, o trânsito e a permanência de não-
índios não pode ser objeto de cobrança de quaisquer tarifas
ou quantias de qualquer natureza por parte das comunidades
indígenas;
(XIII) a cobrança de tarifas ou quantias de qualquer
natureza também não poderá incidir ou ser exigida em troca
da utilização das estradas, equipamentos públicos, linhas de
transmissão de energia ou de quaisquer outros equipamentos
e instalações colocadas a serviço do público, tenham sido
excluídos expressamente da homologação, ou não;
(XIV) as terras indígenas não poderão ser objeto de
arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico que
restrinja o pleno exercício do usufruto e da posse direta pela
comunidade indígena ou pelos índios (art. 231, § 2º, Constituição
Federal, c/c art. 18, caput, Lei nº 6.001/1973);
(XV) é vedada, nas terras indígenas, a qualquer pessoa
estranha aos grupos tribais ou comunidades indígenas, a
prática de caça, pesca ou coleta de frutos, assim como de
atividade agropecuária ou extrativa (art. 231, § 2º, Constituição
Federal, c/c art. 18, § 1º, Lei nº 6.001/1973);
(XVI) as terras sob ocupação e posse dos grupos e
das comunidades indígenas, o usufruto exclusivo das riquezas
naturais e das utilidades existentes nas terras ocupadas,
observado o disposto nos arts. 49, XVI, e 231, § 3º, da
CR/88, bem como a renda indígena (art. 43 da Lei nº
6.001/1973), gozam de plena imunidade tributária, não cabendo
a cobrança de quaisquer impostos, taxas ou contribuições
sobre uns ou outros;
(XVII) é vedada a ampliação da terra indígena já
demarcada;
(XVIII) os direitos dos índios relacionados às suas
terras são imprescritíveis e estas são inalienáveis e indisponíveis
(art. 231, § 4º, CR/88); e
(XIX) é assegurada a participação dos entes federados
no procedimento administrativo de demarcação das
terras indígenas, encravadas em seus territórios, observada a
fase em que se encontrar o procedimento.
Em caso de acolhimento das presentes conclusões, este parecer
poderá ser submetido à aprovação do Exmo. Sr. Presidente da
República, e uma vez publicado juntamente com o despacho presidencial,
deverá vincular a Administração Pública Federal, cujos
órgãos e entidades ficarão obrigados a lhe dar fiel cumprimento
(artigos 40 e 41 da Lei Complementar n. 73/1993), a partir da data da
sua publicação.
À consideração superior.
Brasília, 19 de julho de 2017.
ANDRÉ RUFINO DO VALE
Consultor-Geral da União substituto